sexta-feira, 5 de julho de 2013

Saudades

Esta introdução foi escrita por Mirna Terezinha Steffani Vargas e nos enviada para publicação

> Esse poeta conseguiu sintetizar em poucos versos uma gigantesca saudade que
> mora dentro daqueles que viveram a tão poucos anos, mas conheceram, como eu,
> uma vida livre, saudável, longe dos inúmeros medos, da excessiva atenção dos
> pais. Chegávamos da escola ansiosos para brincar no balanço atrás de casa
> (ou pneu pendurado na árvore), correr no campinho ( sem medo de
> sequestradores ou trânsito infernal)... O ar era mais puro, não precisávamos
> de agenda para, aos 5 anos, sabermos os horários das aulas de piano,
> natação, Inglês, informática, reforço escolar, terapeuta, etc.
> Apesar de já nascerem sabendo lidar com laptop, IPod ”e... pode” tudo (os
> filhos mandam nos pais), tenho pena dessa geração que não teve a chance de
> conhecer a liberdade de viver sem medos, presa, muitas vezes em apartamentos
> ou, cuidadosamente fechados a sete chaves (como os meus filhos). Não tiveram
> a alegria de andar de bicicleta na frente de casa, correr atrás dos
> vagalumes nas noites de verão nem puderam presenciar,sem ter estado lá, mas
> certa de que elas existiam, as cataratas de Sete Quedas.
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> No tempo da minha infância
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> Ismael Gaião
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> No tempo da minha infância
> Nossa vida era normal
> Nunca me foi proibido
> Comer açúcar ou sal
> Hoje tudo é diferente
> Sempre alguém ensina a gente
> Que comer tudo faz mal
> 
> Bebi leite ao natural
> Da minha vaca Quitéria
> E nunca fiquei de cama
> Com uma doença séria
> As crianças de hoje em dia
> Não bebem como eu bebia
> Pra não pegar bactéria
> 
> A barriga da miséria
> Tirei com tranquilidade
> Do pão com manteiga e queijo
> Hoje só resta a saudade
> A vida ficou sem graça
> Não se pode comer massa
> Por causa da obesidade
> 
> Eu comi ovo à vontade
> Sem ter contra indicação
> Pois o tal colesterol
> Pra mim nunca foi vilão
> Hoje a vida é uma loucura
> Dizem que qualquer gordura
> Nos mata do coração
> 
> Com a modernização
> Quase tudo é proibido
> Pois sempre tem uma Lei
> Que nos deixa reprimido
> Fazendo tudo que eu fiz
> Hoje me sinto feliz
> Só por ter sobrevivido
> 
> Eu nunca fui impedido
> De poder me divertir
> E nas casas dos amigos
> Eu entrava sem pedir
> Não se temia a galera
> E naquele tempo era
> Proibido proibir
> 
> Vi o meu pai dirigir
> Numa total confiança
> Sem apoio, sem air-bag
> Sem cinto de segurança
> E eu no banco de trás
> Solto, igualzinho aos demais
> Fazia a maior festança
> 
> No meu tempo de criança
> Por ter sido reprovado
> Ninguém ia ao psicólogo
> Nem se ficava frustrado
> Quando isso acontecia
> A gente só repetia
> Até que fosse aprovado
> 
> Não tinha superdotado
> Nem a tal dislexia
> E a hiperatividade
> É coisa que não se via
> Falta de concentração
> Se curava com carão
> E disso ninguém morria
> 
> Nesse tempo se bebia
> Água vinda da torneira
> De uma fonte natural
> Ou até de uma mangueira
> E essa água engarrafada
> Que diz-se esterilizada
> Nunca entrou na nossa feira
> 
> Para a gente era besteira
> Ter perna ou braço engessado
> Ter alguns dentes partidos
> Ou um joelho arranhado
> Papai guardava veneno
> Em um armário pequeno
> Sem chave e sem cadeado
> 
> Nunca fui envenenado
> Com as tintas dos brinquedos
> Remédios e detergentes
> Se guardavam, sem segredos
> E descalço, na areia
> Eu joguei bola de meia
> Rasgando as pontas dos dedos
> 
> Aboli todos os medos
> Apostando umas carreiras
> Em carros de rolimã
> Sem usar cotoveleiras
> Pra correr de bicicleta
> Nunca usei, feito um atleta,
> Capacete e joelheiras
> 
> Entre outras brincadeiras
> Brinquei de Carrinho de Mão
> Estátua, Jogo da Velha
> Bola de Gude e Pião
> De mocinhos e Cowboys
> E até de super-heróis
> Que vi na televisão
> 
> Eu cantei Cai, Cai Balão,
> Palma é palma, Pé é pé
> Gata Pintada, Esta Rua
> Pai Francisco e De Marré
> Também cantei Tororó
> Brinquei de Escravos de Jó
> E o Sapo não lava o pé
> 
> Com anzol e jereré
> Muitas vezes fui pescar
> E só saía do rio
> Pra ir pra casa jantar
> Peixe nenhum eu pagava
> Mas os banhos que eu tomava
> Dão prazer em recordar
> 
> Tomava banho de mar
> Na estação do verão
> Quando papai nos levava
> Em cima de um caminhão
> Não voltava bronzeado
> Mas com o corpo queimado
> Parecendo um camarão
> 
> Sem ter tanta evolução
> O Playstation não havia
> E nenhum jogo de vídeo
> Naquele tempo existia
> Não tinha vídeo cassete
> Muito menos internet
> Como se tem hoje em dia
> 
> O meu cachorro comia
> O resto do nosso almoço
> Não existia ração
> Nem brinquedo feito osso
> E para as pulgas matar
> Nunca vi ninguém botar
> Um colar no seu pescoço
> 
> E ele achava um colosso
> Tomar banho de mangueira
> Ou numa água bem fria
> Debaixo duma torneira
> E a gente fazia farra
> Usando sabão em barra
> Pra tirar sua sujeira
> 
> Fui feliz a vida inteira
> Sem usar um celular
> De manhã ia pra aula
> Mas voltava pra almoçar
> Mamãe não se preocupava
> Pois sabia que eu chegava
> Sem precisar avisar
> 
> Comecei a trabalhar
> Com oito anos de idade
> Pois o meu pai me mostrava
> Que pra ter dignidade
> O trabalho era importante
> Pra não me ver adiante
> Ir pra marginalidade
> 
> Mas hoje a sociedade
> Essa visão não alcança
> E proíbe qualquer pai
> Dar trabalho a uma criança
> Prefere ver nossos filhos
> Vivendo fora dos trilhos
> Num mundo sem esperança
> 
> A vida era bem mais mansa,
> Com um pouco de insensatez.
> Eu me lembro com detalhes
> De tudo que a gente fez,
> Por isso tenho saudade
> E hoje sinto vontade
> De ser criança outra vez
> 

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